segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A Simplificação

         O ato de simplificar implica, em geral, resumir uma ideia, um conjunto delas, uma opinião ou mesmo uma filosofia inteira ou religião a uns poucos conceitos que venham a caber no imaginário de uma pessoa. O risco envolvido é o de que ao invés de melhorar o mundo, a simplificação se torne uma situação degradadora e destrutiva para a humanidade. 
         A massa de informações disponíveis com a internet, TV a cabo e outras tecnologias não garantiu o aumento da capacidade de interpretação e posicionamento da grande massa da população. Mesmo quem se atreve a querer fazer uma análise mais completa de uma situação qualquer não tem tempo ou não vê custo-benefício em ficar investindo muito na absorção de informações sobre um determinado assunto.
         Assim, acaba-se por se buscar um resumo, uma notícia, um prato mastigado com o máximo de resultados e a menor perda de tempo possível.
         O progresso científico conforme registrou John Gray em “Cachorros de Palha” não garantiu ao ser humano qualquer certeza de que seu caráter geral ou que a própria condição de ser humano tenha melhorado ao longo dos séculos de produção de conhecimento científico.
         É fácil perceber que o progresso é um mito. Todos os dias surgem novas provas de que as limitações de caráter e de inteligência continuam as mesmas de sempre. As ações e mesmo o surgimento de novas correntes, novos pensamentos ligados às destorcidas ideias dos movimentos de politicamente correto são provas cabais de que até quando procura melhorar as coisas o ser humano acaba caindo novamente nos mesmos erros do radicalismo, do exagero e da inversão de valores.
         Essa incompetência toda em se desenvolver verdadeiramente faz com que as soluções mais fáceis sejam procuradas para o posicionamento em relação ao mundo e às situações pelas quais um ser humano passa ao longo da vida. Coisas banais como ir a um cinema e ver um filme já são um bom exemplo. Coisas não tão banal mas cuja percepção chega até a ser deturpada é o ato de votar, de escolher um candidato e se posicionar nas eleições. As religiões também se encaixam no mesmo caso. Um simples itinerário, um caminho a ser seguido para ir a algum lugar é diminuído de modo a ser melhor memorizado.
         Um filme que se assistiu por exemplo, pode ser classificado de bom ou ruim. Raramente alguém se preocupa em detalhar os motivos pelos quais gostou ou não. Não se consegue separar o gosto pessoal do trabalho técnico de atores, diretores e tantos outros profissionais. O resumo de todo o esforço dessas equipes é sintetizado em poucas palavras devido à desatenção, despreocupação ou incapacidade do espectador em pormenorizar ou fundamentar a sua opinião a respeito da obra.
         O mesmo acontece para livros, peças, quadros e quase todo tipo de arte. A maioria das pessoas é incapaz de angariar, nesses casos, sentimentos diferentes dos extremos da perplexidade ou da indiferença. A grande maioria dos trabalhos realmente importantes nem sequer é conhecida pela maior parte da população.
         Num plano mais simples, mas capaz de exemplificar como funciona a simplificação, vem a facilidade em se resumir um percurso a ser seguido para ir a algum lugar. Recapitulando cada passo do caminho, são perdidas várias etapas. Curvas são esquecidas, pontos de referência, trevos pelos quais se passou diversas vezes, placas de cidades e até mesmo cidades. É a maneira que mentes limitadas, no melhor sentido que se possa dar a essa palavra, encontram para reorganizar, como possível, um conjunto qualquer de informações.
         Outro exemplo de simplificação é o caso das eleições. Anos e anos, eleições e mais eleições vão se passando e os mesmos chavões vão sendo vistos no comportamento dos eleitores e dos candidatos. A poluição visual e auditiva, as promessas eufemicamente chamadas de plataformas, e os conchavos estão todos aí e nada muda, pelo menos visivelmente, no senso crítico das pessoas, apesar de toda a postura de “progresso” que se vende.
        O mesmo acontece com as religiões. Uma receita ideal para ganhar dinheiro é vender a simplificação para essa massa imensa de pessoas que não querem complicar demais sua existência com grandes elaborações científicas sobre o universo e suas leis. Para que o esforço de passar horas e horas tentando se imiscuir no aprendizado de física, biologia ou outras ciências “mundanas”? Basta ir a um templo e ver o que o sacerdote tem a dizer, depositar a confiança no que é dito e não se faz necessário qualquer esforço maior.
         A simples comparação dos textos religiosos para perceber que todo o complexo desenvolvimento do planeta terra, apesar de sua insignificância em relação ao resto do universo, é resumida em pequenas etapas vencidas com extrema facilidade pelo criador. Tudo rápida e definitivamente explicado pelo poder supremo que emana de um ser personificado à força, para facilitar a sua compreensão.
         Cabe ainda registrar que, mesmo nos círculos religiosos, pouco a pouco se vão perdendo os compromissos em transmitir os conhecimentos básicos de criação do universo, justamente pela simplificação geral do saber. Exigir grandes esforços no sentido de aprender volumes e mais volumes de teoria ou teologia não garantem mais “clientes”. Agora o importante é impactar o gosto cada vez mais duvidoso dos fiéis com grandes espetáculos e grandes eventos e em músicas de fácil absorção. Tudo por que a simplicidade dominou e vem a dominar gradualmente mais a consciência de grande parte das pessoas.
         É claro que não se pode absorver toda a informação disponível no mundo. Seja um simples caminho a ser seguido, uma obra artística qualquer, o perfil de um candidato ou uma religião, o que vai prevalecer é a tendência de resumir as informações a respeito. Cabe a cada um que se vigie e colabore com o próximo para que o nível de simplificação não chegue ao ponto de que aconteça um retorno às cavernas.